Como se sabe, no início do ano de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou a Pandemia em decorrência da infecção humana pelo Novo Coronavírus, o que configurou emergência de saúde pública de importância internacional.
Diante disso, em âmbito nacional fora declarado o Estado de Emergência em Saúde Pública, o que resultou em diversas medidas de segurança e restrição a fim de evitar a contaminação e a disseminação do vírus, causando inúmeros impactos em diversas áreas da sociedade, tanto nos setores públicos, quanto nos setores privados.
No âmbito dos Estados e Municípios, nos limites de suas competências, foram adotadas várias medidas para o enfrentamento da Pandemia, dentre as quais estavam as restrições ao labor e funcionamento dos estabelecimentos.
Especialmente em Jaraguá do Sul, dentre as medidas adotadas a fim de manter os servidores públicos do grupo de risco etário em isolamento houve a antecipação de férias e de licença-prêmio aos funcionários públicos Municipais, elencada nos Decretos Municipais nº 13.731/2020 e nº 14.624/2021.
Não foram poucos os servidores públicos, que compulsoriamente tiveram que gozar os períodos aquisitivos de férias ou ainda ter as licenças-prêmios utilizadas para fins diversos ao originalmente fixado que é justamente garantir que os servidores tenham um momento de descanso após anos de uma rotina exaustiva e repleta de obrigações e compromissos em momento que melhor lhe aprouver.
Tal fato resultou em notáveis prejuízos aos servidores públicos, especialmente aos que estavam perto de se aposentar uma vez que estavam descontados valores consideráveis do Termos de Rescisão de alguns em razão das licenças prêmios e férias antecipadas durante a pandemia e descontada na rescisão. Alguns funcionários, após anos de dedicação ao serviço público se aposentou sem levar um centavo sequer, ficando inadimplente com a administração pública municipal.
Foi exatamente nesse contexto, que uma servidora aposentada ajuizou ação contra o Município pleiteando, entre outros pedidos, a nulidade do desconto realizado no seu Termo de Rescisão a título de férias adiantadas, destacando, especialmente, que não deu causa aos afastamentos, tendo sido afastada compulsoriamente pela administração pública, ressaltando que não pode recair sobre seus ombros prejuízos causados pela pandemia. Pretendeu assim, a restituição do valor correspondente a R$ 10.190,03, descontado pelo Município, que resultou na rescisão zerada.
Na contestação, o Município defendeu que no tocante ao TRCT firmado, não se pode considerar qualquer ilegalidade, pois, ainda que a Autora se insurja quanto às férias adiantadas, fato é que a servidora deixou de laborar e recebeu pelas férias que ainda não fazia jus, como maneira de protegê-la dos efeitos nocivos da tão alarmada doença, sobretudo na população idosa, em que a Autora se enquadrava.
No entanto, tais argumentos não foram acolhidos pela r. juíza da Vara da Fazenda Pública de Jaraguá do Sul, que entendeu que o Poder Executivo Municipal cometeu excesso de poder regulamentar, por inovar em matéria afeta ao legislativo municipal local, já que a organização legal de seus servidores é de atribuição do poder legislativo.
Destacou-se na decisão de primeiro grau, que o Decreto Municipal em questão violou a lógica do poder regulamentar e criou a obrigação de compensar/restituir o erário por férias antecipadas, obrigação que não estão previstas em lei, deixando a sua função de dar fiel cumprimento à lei para inovar no ordenamento jurídico.
Pontuou a r. juíza ainda que:
(…)
É verdade que, em esforço hermenêutico e, atendendo as peculiaridades do contexto da Pandemia do COVID-19, pode-se dizer que é legítima a imposição de férias antecipadas por decreto municipal, pois o Estatuto dos Servidores Públicos Municipais (Lei Complementar n. 154/2014) prevê férias e licenças remuneradas de acordo com o interesse da administração.
Todavia, tal disciplina não autoriza o poder executivo criar ônus financeiro para o servidor e empregado público que não teve escolha entre usufruir ou não férias antecipadas, pois não tem respaldo legal, nem sequer na Lei Complementar n. 154/2014.
(…)
Diante disso, foi proferida sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados pela servidora inativa, para declarar incidentalmente a inconstitucionalidade do artigo 5º do Decreto Municipal nº 13.744/2020, declarar nulas as cobranças de restituição ao erário e condenar o Município a retirar os descontos de férias e um terço no termo de rescisões, realizando o pagamento do saldo positivo.
Irresignado, o Município interpôs Recurso Inominado para a Turma Recursal de Santa Catarina, no entanto, a decisão foi mantida em favor da servidora pública aposentada no tocante às férias antecipadas e um terço.
A decisão transitou em julgado em 15/07/2024, e atualmente o processo se encontra em fase de liquidação, quando são apurados os valores devidos de forma atualizada e com juros para posterior pagamento pelo Município.
No tocante à licença-prêmio o entendimento, efetivamente, é diverso, isso porque se entende que seria locupletamento ilícito do servidor o gozo do descanso remunerado, e posteriormente, a conversão do período em pecúnia, seria como usufruir deste direito por duas vezes, o que não se admite no âmbito do ordenamento jurídico.
No tocante às férias antecipadas, no entanto, a jurisprudência foi evoluindo nessa matéria e parece ter fixado o entendimento de que o ônus criado pelo Município aos servidores públicos é indevido.
Ressalta-se, por fim, que o prazo prescricional para o ajuizamento de ação contra o Município visando a declaração de inconstitucionalidade do decreto, a nulidade dos descontos e a restituição de valores de férias + 1/3 subtraídos do Termos de Rescisão é de 5 anos, conforme dispõe o artigo 166 da Lei Complementar nº 154/2014, que dispõe sobre o regime jurídicos dos servidores públicos do Município de Jaraguá do Sul.
Assim, se você, servidor público aposentado durante o período da pandemia, também sofreu com descontos de férias antecipadas + 1/3 na ocasião e sua rescisão, saiba que ainda há tempo para se pleitear a restituição dos valores descontados.