QUANDO SALÁRIOS E BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS PODEM SER PENHORADOS?

 

Muitas pessoas encontram-se em situação de endividamento no Brasil, sendo que esta pode ser oriunda de alguma transação comercial ou até mesmo de uma relação pessoal, como em casos de pensão alimentícia, por exemplo.

Isso faz com que o judiciário e os próprios legisladores se voltem para a situação e tentem verificar o porquê de as pessoas não buscarem quitar suas dívidas.

Infelizmente, em muitos casos, não é procurada a solução do litígio, com alegações do tipo “eu não tenho nada”, “não vão encontrar nada em meu nome”.

Assim, em casos em que o devedor oculta seu patrimônio e faz ser quase impossível localizar outros bens penhoráveis, o credor acaba pesquisando qual a sua forma de subsistência para tentar de algum modo, ver adimplida a dívida.

Mas então nos perguntamos: Salários e benefícios previdenciários não são impenhoráveis?

Em regra, sim, porém, toda regra tem sua exceção.

Neste caso, o artigo 833 do Código de Processo Civil expõe a regra geral de impenhorabilidade de bens, em seus incisos IV e X:

Art. 833. São impenhoráveis: (…)

IV – os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º; (…)

X – a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos; (…)

No entanto, o próprio artigo traz exceções a esta regra, em seu § 2º:

  • O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, § 8º, e no art. 529, § 3º.

Logo, verifica-se que os valores provenientes de salários, benefícios previdenciários, ou até aqueles depositados em caderneta de poupança, podem ser penhorados para pagamento de verbas alimentares, posto que, em que pese sua impenhorabilidade, esta não é absoluta.

Desta forma, é importante saber o que pode ser considerado verba alimentar.

Inicialmente, a pensão alimentícia, tanto para filhos, quanto para ex-cônjuges, por exemplo. Isso porque, o devedor de pensão alimentícia não goza do benefício da impenhorabilidade dos seus vencimentos, pelos quais podem ser comprometidos até 50% (cinquenta por cento) dos ganhos líquidos, já incluídos os alimentos vincendos, conforme assim determinam o artigo 833, IV e § 2º c/c artigo 529, caput e § 3º, ambos do CPC.

Tal entendimento é sedimentado nos tribunais, conforme julgado abaixo do TJSC:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE PENSÃO ALIMENTÍCIA. PENHORA SOBRE RENDIMENTOS DO DEVEDOR. POSSIBILIDADE. RESSALVA DO ARTIGO 833, INCISO IV, E § 2º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. CONSTRIÇÃO APROXIMADA DE 39% (TRINTA E NOVE POR CENTO) DO SALÁRIO LÍQUIDO. ARTIGO 529, CAPUT E § 3º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ABUSIVIDADE NÃO VERIFICADA. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. O devedor de pensão alimentícia não goza do benefício da impenhorabilidade dos seus vencimentos, pelos quais podem ser comprometidos até 50% (cinquenta por cento) dos ganhos líquidos, já incluídos os alimentos vincendos, conforme assim determinam o artigo 833, IV e § 2º c/c artigo 529, caput e § 3º, ambos do Código de Processo Civil. (TJ-SC – AI: 40279123120188240000 Xanxerê 4027912-31.2018.8.24.0000, Relator: Fernando Carioni, Data de Julgamento: 26/02/2019, Terceira Câmara de Direito Civil). ” Grifo.

Assim, importante ter ciência que a possibilidade de penhora de vencimentos para fins de pagamento de pensão alimentícia é algo pacificado.

Em segundo lugar, temos a possibilidade de penhora de percentual de salário e benefícios previdenciários para pagamento de honorários advocatícios.

Isso porque, os honorários advocatícios têm inequívoca natureza alimentar, conforme dispõe expressamente o § 14, artigo 85 do CPC:

  • 14. Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial.

Também, há o reconhecimento pelo STF em sua súmula 47:

“Os honorários advocatícios incluídos na condenação ou destacados do montante principal devido ao credor consubstanciam verba de natureza alimentar cuja satisfação ocorrerá com a expedição de precatório ou requisição de pequeno valor, observada ordem especial restrita aos créditos dessa natureza. ” Grifo.

Tal possibilidade já foi objeto de decisão do Superior Tribunal de Justiça:

“AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENHORA INCIDENTE SOBRE VERBA SALARIAL. POSSIBILIDADE. ENTENDIMENTO DO TRIBUNAL DE ORIGEM EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. A legislação processual civil (CPC/2015, art. 833, IV, e § 2º) contempla, de forma ampla, a prestação alimentícia, como apta a superar a impenhorabilidade de salários, soldos, pensões e remunerações. A referência ao gênero prestação alimentícia alcança os honorários advocatícios, assim como os honorários de outros profissionais liberais e, também, a pensão alimentícia, que são espécies daquele gênero. É de se permitir, portanto, que pelo menos uma parte do salário possa ser atingida pela penhora para pagamento de prestação alimentícia, incluindo-se os créditos de honorários advocatícios, contratuais ou sucumbenciais, os quais têm inequívoca natureza alimentar (CPC/2015, art. 85, § 14). 2. A Quarta Turma, no julgamento do AgInt no REsp 1.732.927/DF (Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, julgado em 12/02/2019, DJe de 22/03/2019), decidiu que o julgador, sopesando criteriosamente as circunstâncias de cada caso concreto, poderá admitir ou não a penhora de parte da verba alimentar, ou limitá-la a percentual razoável, sem agredir a garantia do executado e de seu núcleo essencial. No caso, a Corte local entendeu ser possível a penhora de parte do salário da agravante para o adimplemento de honorários advocatícios, em conformidade com a orientação desta Corte, que admite a mitigação da impenhorabilidade das verbas salariais no caso de dívida alimentar, como são considerados os honorários advocatícios. 3. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ – AgInt no AREsp: 1595030 SC 2019/0296887-5, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 22/06/2020, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/07/2020). ” Grifo.

Além disso, ainda que haja divergência quanto ao enquadramento dos honorários como verba alimentar, o Superior Tribunal de justiça (STJ) também entende que as regras de impenhorabilidades previstas no Art. 833 do CPC podem ser relativizadas/mitigadas em situações nas quais a constrição parcial não acarrete prejuízo à dignidade e à subsistência do devedor e de sua família.

Tal situação pode ser verificada do REsp 1.815.055 e do EREsp 1.582.475.

Sob tal premissa, a Hasse Advocacia e Consultoria teve parcial provimento em recurso de agravo de instrumento (nº 0014548-77.2021.8.16.0000), sendo deferida penhora de 10% do salário do devedor.

Tem-se trecho do acórdão:

“Todavia, considerando o entendimento recente do Superior Tribunal de Justiça acerca da possibilidade de flexibilização da regra da impenhorabilidade da verba salarial a depender do caso concreto, e visando preservar a subsistência do agravado, mas também o interesse público que também permeia a satisfação do crédito do agravante, impõe-se deferir o pedido do agravante de penhora de percentual sobre o salário (…). ”

Ainda, tal recurso foi objeto de Recurso Especial (REsp nº 1969981-PR), onde foi mantida a penhora determinada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR).

Desta forma, quando se pretende a penhora de salários ou benefícios para pagamento de honorários advocatícios, não somente deve ser levanta a questão de se tratar de verba alimentar, mas também sobre a possibilidade da regra geral da impenhorabilidade de salários, vencimentos, proventos, etc, poder ser excepcionada quando for preservado percentual de tais verbas capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família.

Além das possibilidades elencadas anteriormente, também pode ser determinada a penhora de benefícios previdenciários para pagamento débitos de natureza trabalhista.

“RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DECISÃO IMPUGNADA PROFERIDA NA VIGÊNCIA DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. PENHORA DE APOSENTADORIA. POSSIBILIDADE. PERCENTUAL INFERIOR AO PREVISTO NO ARTIGO 529, § 3º DO CPC/2015. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. O Tribunal Pleno desta Corte superior, mediante a Resolução nº 220, de 18 de setembro de 2017, decidiu modificar a Orientação Jurisprudencial nº 153 da SBDI-2 para limitar a aplicação da tese aos atos praticados na vigência do CPC de 1973, passando a dispor que “Ofende direito líquido e certo a decisão que determina o bloqueio de numerário existente em conta salário, para satisfação de crédito trabalhista, ainda que seja limitado a determinado percentual dos valores recebidos ou a valor revertido para fundo de aplicação ou poupança, visto que o art. 649, IV, do CPC de 1973 contém norma imperativa que não admite interpretação ampliativa, sendo a exceção prevista no art. 649, § 2º, do CPC de 1973 espécie e não gênero de crédito de natureza alimentícia, não englobando o crédito trabalhista”. Nos termos do artigo 833, § 2º, do CPC/2015, a impenhorabilidade de vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios “não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem”. O disposto no art. 539, § 3º, do mesmo diploma legal limita a constrição ao limite máximo de 50% sobre o montante líquido penhorado. A constatação de que a decisão impugnada foi proferida na vigência do CPC/2015, e não ultrapassou o percentual legalmente previsto, revela ausência de ilegalidade, bem como a inexistência de violação a direito líquido e certo do impetrante. Recurso ordinário conhecido e desprovido. (TST – RO: 119039620185030000, Relator: Renato De Lacerda Paiva, Data de Julgamento: 09/03/2021, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: 12/03/2021). ”

Isso porque, os débitos oriundos de salários são considerados verba alimentar, encaixando-se na exceção prevista no artigo 833, § 2º, do CPC/2015.

Ademais, deve-se ter em mente que o juízo sempre deverá observar as condições do caso em especifico, para então proferir uma decisão. Como falado, algumas questões merecem ser observadas, como a dignidade e a subsistência do devedor e de sua família.

Porém, tal situação precisa ser demonstrada com extrema clareza pelo devedor no processo, tendo em vista que se não houver a comprovação, poderá ser deferida a penhora de percentual de até 30%.

Ainda, quanto aos valores localizados em conta poupança, para que sua penhora não seja possível (Art. 833, inciso X, do CPC), o devedor deverá comprovar se a mesma realmente possuí caráter de reserva, uma vez que muitas pessoas tem a conta em tal modalidade, mas a utilizam livremente como conta corrente, o que acaba desvirtuando a natureza da verba ali existente.

Assim, podemos concluir que os salários e benefícios previdenciários não são absolutamente impenhoráveis, podendo vir a ser penhorados para pagamento de débitos de natureza alimentar, como pensão alimentícia, dívidas trabalhistas e honorários sucumbenciais, ou ainda, quando não afetarem a subsistência do devedor e sua família.

Portanto, procurar o credor para saldar uma dívida existente de forma consensual é sempre a maneira mais fácil e benéfica para ambas as partes, pois permite que haja uma programação financeira e impede a realização de medidas constritivas e coercitivas que podem vir a ser deferidas pelo judiciário, caso o litigio se transforme em um processo judicial.

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