EMPRESA DE VISTORIA VEICULAR – FALHA NO SERVIÇO QUE COMPORTA DANO MOTAL AO CONSUMIDOR
Recentemente em ação indenizatória proposta contra empresa de vistoria veicular pela falha na prestação de perícia em veículo automotor, que culminou na apreensão do referido bem por constatação de motor adulterado, a Hasse Advocacia obteve a condenação em danos morais e a manteve junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O veículo automotor foi adquirido no ano 2013, sendo periciado na época pela referida empresa. O proprietário veio a falecer e durante o inventário, no ano de 2017, fora necessário alienar o automóvel. Ocasião em que foi constatada alteração na identificação do motor.
Fato que não foi observado anteriormente e que gerou grande prejuízo ao espólio, haja vista que diante das restrições, o comprador exigiu um significante desconto para perfectibilizar a compra do automóvel. Além de todo o abalo moral sofrido durante este período.
Sobreveio sentença que reconheceu a falha na prestação do serviço e julgou procedente o pedido para condenar a empresa ao pagamento da quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a título de danos morais.
A empresa ré apelou da decisão, declarando que os fatos narrados envolviam apenas a esposa do de cujus), pois aconteceram após a sua morte, não sendo, portanto, o espólio, parte legítima pata figurar no polo ativo da ação. Afirmou que a prova técnica era insuficiente para demonstrar que a adulteração já existia na vistoria inicial; que a perícia era inconclusiva; que não participou do negócio e que a vistoria de 2013 foi realizada após a compra e venda; entre outras afirmações.
Em sede de acórdão, decidiu-se que o espólio possuía sim interesse processual e legitimidade ativa para ajuizar a ação indenizatória, uma vez que houve desconto na venda durante o inventário em virtude da adulteração numérica. O que resultou prejuízo ao espólio e consequentemente aos futuros herdeiros. O dano abarcou o espólio como um todo, pois com a morte do de cujus, a posse e a propriedade foi transmitida a todos os herdeiros do espólio no curso do inventário, sendo eles os destinatários do veículo posteriormente.
E ainda, por estes estarem na posse do veículo durante o inventário o aval era requisito para a alienação do bem, logo, a imagem negativa da venda irregular também recaiu sobre o espólio.
A afirmativa de que a adulteração tenha ocorrido após a vistoria da ré também foi afastada por simples análise lógica, pois os laudos das vistorias de 2013 e 2017 se referiam ao mesmo motor, não sendo evidenciadas diferenças significativas entre as fotografias pericias, nem tampouco a ré trouxe aos autos provas em contrário.
Em que pese a defesa sustentar que a inspeção tenha sido feita há aproximadamente um mês após a consumação do negócio e, portanto, a responsabilidade da empresa restaria desconfigurada, tal tese também não foi acolhida. Pois apesar de ser usual que a negociação de compra e venda se realize antes da vistoria, mas essa prática não exime a responsabilidade do laudo, ainda mais por se tratar de tecnicalidade para efetiva transferência do bem. Se o laudo tivesse concluído qualquer irregularidade o de cujus não poderia ter realizado a transferência e certamente teria desfeito o negócio.
Confirmou-se a falha na vistoria realizada pela ré, a qual não atestou que o veículo continha anormalidades e, portanto, não poderia circular daquela forma, bem como, restou evidente que se houvesse conhecimento de tais fatos teriam sido resolvidos na época sem necessidade de todo o incomodo durante o inventário.
Ficou nítido que o abalo sofrido nessa situação foi do espólio, seja pelo obstáculo na venda do bem durante o inventário, seja pela suspeita criminosa em tentar repassar veículo adulterado a terceiro de boá fé.
Por estar presente a falha na prestação do serviço, a existência do dano e o nexo causal entre eles, se manteve a obrigação de indenizar os danos morais sofridos.
Irresignado com a decisão do tribunal a ré interpôs recurso especial, o qual não foi admitido. Na tentativa de reforma do julgado ainda apresentou agravo ao recurso fundamentando no artigo 105, inciso III, alínea “a” e alínea “c” da Constituição Federal/88 [1].
A primeira controvérsia arguida foi pela alínea “a” – violação dos arts. 17 e 18 do Código de Processo Civil [2]: alegando que o reconhecimento da legitimidade do espólio afronta os referidos artigos. Pois o espólio buscava indenização por fatos ocorridos após a morte do de cujus, exclusivamente realizado pela viúva, ou seja, a parte autora (espólio) postulava em nome próprio direito alheio (viúva).
Contudo o Tribunal de Justiça de Santa Catarina decidiu que tal discussão se tratava de reexame de prova o que é obstado pela Súmula n. 7 do STJ “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”.
A segunda controvérsia menciona foi a alínea “c” – dissidio jurisprudencial arts. 18[3]6, 187[4] e 927[5] do Código Civil: alegou ausência de nexo causal entre a vistoria e o dano sofrido.
No que se refere ao dissídio o STJ assentou que a parte ré não apresentou corretamente o cotejo analítico, ou seja, não evidenciou as divergências entre o acórdão recorrido e os paradigmas com as semelhanças dos fatos.
Novamente, o recurso não obteve êxito, foi conhecido o agravo e mantido o não conhecimento do recurso especial pelo Ministro Humberto Martins, com a manutenção da decisão proferida na Comarca de origem, resultando a vitória para o autor da ação.
[1] Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
III – julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:
- a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;
- c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.
[2] Art. 17. Para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade.
Art. 18. Ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico.
Parágrafo único. Havendo substituição processual, o substituído poderá intervir como assistente litisconsorcial.
[3] Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
[4] Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
[5] Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.