É POSSÍVEL O ARBITRAMENTO DE ALUGUEL PARA O EX-CONJUGE QUE PERMANECER EM IMÓVEL DE PROPRIEDADE COMUM DO CASAL?

O fim de um relacionamento não é fácil para nenhuma das partes envolvidas.

Isso porque, além da situação emocional existem as questões patrimoniais a serem resolvidas, as quais nem sempre são solucionadas de forma amigável.

A divisão dos bens imóveis acaba por ser uma das pendências mais difíceis de ser resolvida. Quando o casal possuía um único imóvel, por exemplo, após a separação há uma escolha a tomar, que geralmente se resume a uma das partes comprar a parte do outro ou então, vender o bem e dividir o valor entre ambos.

No entanto, até que uma das escolhas se concretize, primeiro há a separação de fato, onde geralmente uma das partes permanece na residência e a outra sai.

Caso tal situação não incomode o ex-cônjuge que precisou sair do imóvel, não surge nenhuma pendência ou obrigação acessória.

Porém, se o cônjuge que sair do imóvel se sentir injustiçado pelo fato do outro permanecer no imóvel de ambos, poderá pleitear o pagamento de aluguel até que haja a resolução final do destino do bem, a fim de não sair prejudicado.

Neste sentido, eis o questionamento: É justo um dos cônjuges sair do imóvel enquanto o outro permanece na residência que era dos dois?

O fato é que a jurisprudência já possui entendimento pacificado acerca do tema.

No caso, é possível o arbitramento de aluguéis, correspondente à metade da renda de um aluguel presumido, pelo uso exclusivo do bem imóvel por um dos ex-cônjuges, a partir do momento em que este tome conhecimento inequívoco do inconformismo da outra parte em relação à fruição exclusiva do bem.

Ou seja, se um cônjuge sai do imóvel e se sente incomodado/injustiçado que o outro permaneça lá, sendo que o imóvel é de propriedade de ambos, deve cientifica-lo acerca do interesse que esse pague um valor a título de aluguel até que o destino da propriedade do imóvel seja decidido.

A ciência do cônjuge que permaneceu na residência poderá ocorrer por meio de notificação extrajudicial ou até pela citação no processo que pleitear o arbitramento.

Tal situação é muito importante, uma vez que a venda do imóvel pode levar anos e um dos cônjuges pode sair muito prejudicado financeiramente com essa situação.

Ademais, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é consolidado. Vejamos:

“Com a separação ou divórcio do casal, cessa o estado de comunhão de bens, de modo que, mesmo nas hipóteses em que ainda não concretizada a partilha do patrimônio, é permitido a um dos ex-cônjuges exigir do outro, a título de indenização, a parcela correspondente à metade da renda de um aluguel presumido, se houver a posse, uso e fruição exclusiva do imóvel por um deles“. (REsp n. 1.375.271/SP, Terceira Turma, Relª. Minª Nancy Andrighi, j. 21-9-2017, DJe 2-10-2017).” Grifo.

Para formular tal pedido, alguns requisitos devem ser observados, quais sejam: a copropriedade, a indivisibilidade do imóvel e a ausência de acordo entre as partes quanto à sua destinação.

Porém, como toda regra, existem algumas exceções, as quais também são reconhecidas pelo e. STJ. Veja-se trecho de recente decisão:

“Nesse contexto normativo, há dois fundamentos que afastam a pretensão indenizatória da autora da ação de arbitramento de aluguel. Um principal e prejudicial, pois a utilização do bem pela descendente dos coproprietários – titulares do dever de sustento em razão do poder familiar (filho menor) ou da relação de parentesco (filho maior) – beneficia a ambos, motivo pelo qual não se encontra configurado o fato gerador da obrigação reparatória, ou seja, o uso do imóvel comum em benefício exclusivo de ex-cônjuge. Como fundamento secundário, o fato de o imóvel comum também servir de moradia para a filha do ex-casal tem a possibilidade de converter a “indenização proporcional devida pelo uso exclusivo do bem” em “parcela in natura da prestação de alimentos” (sob a forma de habitação), que deverá ser somada aos alimentos in pecunia a serem pagos pelo ex-cônjuge que não usufrui do bem – o que poderá ser apurado em ação própria -, sendo certo que tal exegese tem o condão de afastar o enriquecimento sem causa de qualquer uma das partes. Ademais, o exame do pedido de arbitramento de verba compensatória pelo uso exclusivo de imóvel comum por ex-cônjuge não pode olvidar a situação de maior vulnerabilidade que acomete o genitor encarregado do cuidado dos filhos financeiramente dependentes, cujas despesas lhe são, em maior parte, atribuídas” (REsp 1699013/DF, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, j. em 4-5-2021, DJe 4-6-2021). “Grifo.

Segundo tal entendimento, a utilização do imóvel também pelo filho (os) do casal acarretaria na desconfiguração do uso exclusivo, o que também enseja na caracterização de obrigação alimentar in natura, hipótese em que o alimentante fornece os próprios bens para garantir a subsistência do alimentando.

Assim, se o cônjuge que permanecer no imóvel ficar acompanhado de filho (os) do casal, a necessidade de fixação de aluguel poderá ser afastada, uma vez que a responsabilidade pela garantia da subsistência do menor é de ambos.

O fato é que cada caso deve ser analisado especificamente, posto que os detalhes do caso em concreto devem ser observados com rigor.

Assim, estando preenchidos os requisitos exigidos e, não sendo caracterizada nenhuma das hipóteses de exceção previstas na jurisprudência, o cônjuge que permanecer em imóvel de propriedade comum do casal pode sim ter que indenizar aquele que saiu em parcela correspondente à metade do aluguel presumido.

Em caso nesta seara, tem-se exemplo da sentença parcialmente procedente proferido pelo Juizado Especial Cível da comarca de Jaraguá do Sul/SC (0308559-86.2018.8.24.0036), onde o juízo entendeu devido o pagamento de aluguel de 26/04/2019 a 06/06/2019, em razão do uso exclusivo do imóvel comum por um dos cônjuges naquele período.

Agora, se o ex-cônjuge não cumprir com a obrigação determinada pelo juízo que realizou o arbitramento da indenização pelos aluguéis, a outra parte poderá cobrar os valores em juízo ou até solicitar o despejo do ex-cônjuge do imóvel, conforme art. 5º e 9º da Lei 8.245/91.

Desta forma, conclui-se que, sobrevindo a separação de um casal, já efetuada ou não a partilha dos bens, cabe àquele que não está na posse do imóvel o direito de exigir aluguel correspondente ao uso da propriedade, conforme os artigos 1.319 e 1.326 do Código Civil.

Ainda, deve ser observado que o direito à indenização pelo uso exclusivo do bem comum só poderá ser pleiteado a partir do momento em que o outro tiver a ciência inequívoca da discordância quanto à fruição exclusiva, além de ser necessário o preenchimento dos requisitos e também que a situação não se enquadre em nenhuma das hipóteses de exceção.

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